A
conclusão da mais importante obra urbana em andamento no Paraná, a
Linha Verde, que corta 22 bairros de Curitiba, vai depender da
volatilidade dos mercados financeiro e imobiliário. As obras do trecho
norte serão bancadas pela venda de Certificados de Potencial Adicional
de Construção (Cepacs) na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A
previsão da prefeitura é faturar R$ 1,2 bilhão com os títulos, valor que
cobriria a maior parte da intervenção urbanística.
Os
Cepacs são títulos que a prefeitura lançou que dão aos compradores o
direito de construir na Linha Verde mais do que permite a Lei de
Zoneamento. A operação depende de aprovação da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM).
Embora
reconheçam o potencial da Linha Verde, especialistas ainda encaram essa
operação com ceticismo. Uma eventual demora de absorção desses Cepacs
no mercado, dizem, poderia colocar em risco os prazos de conclusão da
obra. “O sucesso depende dos Cepacs serem vendidos no mercado. Apesar de
considerarem uma boa oportunidade, os empresários temem que a operação
se torne inviável financeiramente”, diz Fábio Araújo, da Bryan
Consultoria.
Esse
risco está diretamente relacionado ao preço do Cepac. “Um valor muito
alto inviabiliza a compra por parte do incorporador”, diz o consultor. O
valor do título é definido pelo próprio mercado, apesar do prospecto
encaminhado à CVM pela prefeitura prever preço mínimo de R$ 200 para
cada título emitido na Bovespa. A volatilidade da economia, portanto,
terá influência direta no volume arrecadado pelo poder público.
Experiência
Em
outubro de 2008, por exemplo, a prefeitura de São Paulo, que usa os
Cepacs desde 2004 para bancar operações urbanas, conseguiu vender 79.650
títulos da Operação Água Espraiada ao preço mínimo de R$ 535. Quase
oito meses antes, os mesmos Cepacs haviam sido comercializados por R$
1,1 mil.
Para
Fábio Duarte, professor de doutorado de Gestão Urbana da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a operação paulistana leva
vantagem em relação à curitibana, mesmo sendo atingida pela animosidade
do mercado. “A venda de Cepacs funcionou bem em São Paulo porque já
havia uma pressão do mercado para adensar regiões como a Água Espraiada.
Não sei se o trecho inteiro da Linha Verde terá essa mesma voracidade
do mercado.”
A
demanda do mercado curitibano para a região é uma incógnita, segundo
Eduardo Schulman, diretor da Top Imóveis, empresa especializada em
empreendimentos corporativos. “O Cepac não é o problema e sim o mercado.
O primeiro leilão deve ser um sucesso, mas tenho dúvidas de quanto o
mercado vai absorver no futuro”, argumenta. Ainda não há data definida
para o lançamento dos Cepacs na Bovespa, já que a operação ainda depende
da aprovação da CVM, o que deve ocorrer ainda neste mês.
Durante
o período de análise da comissão, os agentes envolvidos na operação não
podem dar declarações públicas sobre a operação, sob a justificativa de
que podem influenciar o mercado financeiro. Por isso, a prefeitura de
Curitiba preferiu não se pronunciar.
Prefeitura prevê cenário otimista
Estudo
de impacto ambiental elaborado pela prefeitura em parceria com a
Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) analisou os cenários
possíveis para a operação dos Certificados de Potencial Adicional de
Construção (Cepacs) da Linha Verde de Curitiba.
Segundo
o documento, entre 2005 e 2010, a participação da Linha Verde no total
de Área Construída Adicional (ACA) concedida via outorga onerosa ficou
entre 6% e 13%. Entre 2006 e 2008, porém, esse porcentual foi nulo. Já
em 2011, a fatia da região nesse bolo passou para 36%, o que levou a
prefeitura a encarar com otimismo a operação dos Cepacs.
De
acordo com especialistas, é exatamente a demanda por ACA que definirá o
sucesso da operação de vendas dos Cepacs na Bolsa de Valores. “Caso
todo o potencial construtivo de um terreno já tenha sido usado, outros
incentivos por parte da prefeitura podem gerar superinvestimentos. Mas
temos de ver como o mercado vai absorver isso”, diz Eduardo Schulman,
diretor da Top Imóveis, empresa especializada em empreendimentos
corporativos.
No
cenário considerado pelo documento como “moderador”, no qual cada Cepac
será vendido por R$ 200, o porcentual de participação da Linha Verde no
“mercado” de outorga onerosa passará para 30%. Já no cenário otimista,
classificado pelo documento como o mais provável, a fatia é de 35% e o
preço sobe para R$ 300.
A
análise do cenário otimista é corroborada por André Marin, diretor da
PGD Incorporadora. “Com o Cepac, o incorporador terá mais suporte de que
haverá melhorias na região. Temos três empreendimentos na Linha Verde e
o VGV [Volume Geral de Vendas, instrumento que mede o potencial de
receita do empreendimento] geral foi superior a R$ 300 milhões”, afirma.
“Cepac é perverso”, diz docente da USP
Apesar
de ser bem recebido pelo mercado imobiliário, o Certificado de
Potencial Adicional de Construção (Cepac) não é bem visto por João Sette
Whitaker Ferreira, professor de planejamento urbano da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP). Na opinião
do arquiteto, a lógica de financiamento por meio de Cepacs prioriza
operações urbanas onde há interesse do mercado em detrimento de áreas
menos atrativas e que demandam investimento público.
“A
operação urbana submete o planejamento público à lógica dos interesses
do mercado. Nunca teremos uma operação na periferia, porque ninguém vai
querer construir metragem adicional nessas regiões. O Cepac é a
oficialização da especulação imobiliária”, critica.
Ferreira
ainda reclama do argumento utilizado pelas prefeituras para justificar a
escolha dos Cepacs como forma de financiamento de operações urbanas. “O
argumento de que o setor privado está financiando a obra é perverso,
pois o governo só está arrecadando com aquela área porque ela já tem
infraestrutura capaz de assimilar o aumento construtivo.”
Impacto
Segundo
estudo de impacto ambiental da prefeitura de Curitiba, a população dos
22 bairros cortados pela Linha Verde deve aumentar 65% nos próximos 30
anos. A população deve passar de 82 mil para 135 mil habitantes em 2040,
em caso de sucesso dos Cepacs. Em caso de insucesso da operação, o
crescimento deve ser de apenas 3 mil moradores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário